Davi Lira, de O Estado de S. Paulo, enviado
especial a Cocal dos Alves (PI)
Hoje ele considera que saiu da lama. Filho de agricultores sem renda fixa,
praticamente semianalfabetos e moradores da zona rural de Cocal dos Alves – um
dos municípios mais pobres do interior do Piauí, a 260 km de Teresina –,
Vitaliano Amaral, de 29 anos, nadou contra a corrente das adversidades. O
trabalho árduo na roça e o antigo sonho de ser vigia deu lugar à carreira de
pesquisador no mestrado em Matemática da Universidade Federal do Piauí.
Mas essa guinada não teria ocorrido se ele não tivesse concluído os estudos
na Escola Estadual Augustinho Brandão. Única do município, é considerada a
instituição de maior performance no ensino médio no País – ela coloca alunos com
grande defasagem educacional no mesmo patamar daqueles que têm melhores
condições de aprendizagem por pertencerem a famílias com condições financeiras e
culturais privilegiadas.
Entre as escolas que atendem só alunos mais pobres, com renda familiar de até
1 salário mínimo, a Augustinho Brandão foi a que teve o melhor desempenho no
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2011. Sua média, superior à nacional,
desbancou mais de 5 mil instituições públicas e privadas. O número representa
55% do total das escolas que tiveram o resultado no exame divulgado pelo
Ministério da Educação, em novembro. O desempenho da Augustinho Brandão
ultrapassou o de 32 escolas do País que têm os alunos mais ricos (renda familiar
de mais de 12 salários mínimos).
No ranking nacional, com 10.076 escolas (com alunos de todos os níveis
socioeconômicos), ela fica na posição 4.260. No Estado, é a melhor instituição
pública estadual e, considerando as 198 do Piauí, é a 56.ª mais bem
classificada.
Para chegar a esses dados, o
Estado solicitou à Meritt
Informação Educacional o cruzamento das informações do MEC com um estudo feito
recentemente pelos pesquisadores Maria Teresa Gonzaga Alves e José Francisco
Soares, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Eles traçaram o perfil socioeconômico dos alunos das escolas brasileiras.
“Só a gente acreditava no nosso trabalho”, conta a diretora e supervisora da
Augustinho, Kuerly Brito, de 34 anos. “Com a grande aprovação nos vestibulares,
temos ex-estudantes que hoje são psicólogos, fisioterapeutas e professores.
Temos dois alunos cursando pós-graduação em Teresina e Fortaleza.”
Para Soares, da UFMG, Cocal dos Alves é “um exemplo de que, mesmo sendo
forte, o determinismo social pode ser vencido”. “É o efeito da escola – e não da
família – que gera esse resultado excepcional. É o oposto do que acontece, por
exemplo, numa escola de elite em São Paulo”, diz.
Criada em 2003, a escola ganhou em 2011 uma nova sede, com instalações
modernas. A mudança transformou a Augustinho Brandão na construção mais bonita
da cidade, frequentada por alunos em todos os turnos.
E se a estrutura ajuda, a gestão contribui ainda mais. Os resultados estão
fazendo com que o modelo seja referência. “Estamos desenvolvendo um projeto para
que o modelo de gestão seja seguido por unidades de ensino de dez municípios”,
diz o secretário estadual de Educação, Átila Freitas Lira.
Desafios
Por trás da fama da escola – que tem 10 professores, 1 coordenador e 1
diretora para 135 alunos – está um árduo trabalho. “Primeiro fizemos, trouxemos
resultados. Depois, pressionamos a secretaria para que a infraestrutura
melhorasse”, afirma a professora de português, Aurilene Brito. Ela destaca,
porém, que a improvisação das instalações antes da reforma nunca impediu o
trabalho dos professores. “No início, tínhamos apenas duas salas de aula e um
pátio minúsculo. Usávamos a cantina para ter outro lugar para dar aula.”
Mesmo com as melhorias, os alunos comem em pé, pois não há refeitório. Também
faltam quadra de esportes e laboratório de ciências. Mas o principal problema é
a instabilidade da energia. O fornecimento, que nunca foi regular, piorou desde
junho. Quedas de energia chegam a ocorrer até três vezes em um minuto. A moderna
sala de informática não é usada para evitar a queima dos equipamentos.
Segundo a secretaria, em janeiro será construída uma subestação de energia
para atender a escola. Sobre a ausência de quadra, laboratório e refeitório, a
secretaria informou que serão construídos até junho de 2013.